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Portugal enfrenta uma crise habitacional que se tem agravado ao longo das últimas décadas. A escassez de habitação acessível, aliada ao aumento persistente dos preços das casas, tornou a habitação inacessível para muitos cidadãos, em particular os jovens. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), entre 2010 e 2020 os preços das casas aumentaram cerca de 80%, com um crescimento particularmente acentuado nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. Em 2020, mais de 35% das famílias portuguesas alocavam mais de 30% dos seus rendimentos em despesas com habitação, ultrapassando o limiar de sobrecarga de custos definido pela União Europeia.

A oferta de habitação acessível é, portanto, insuficiente, e a procura por arrendamento a preços comportáveis supera largamente a oferta disponível. Este contexto reforça a necessidade de explorar soluções alternativas que possam contribuir para aumentar a disponibilidade de habitação. É aqui que os Organismos de Investimento Alternativo Imobiliário (OIAIs), como os fundos de investimento imobiliário (FIIs) e as sociedades de investimento coletivo (SICs), regulados pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), emergem como veículos que podem desempenhar um papel crucial na melhoria do cenário habitacional em Portugal.

De acordo com a CMVM, em junho de 2024, o valor sob gestão dos Fundos de Investimento Imobiliário, Fundos Especiais de Investimento Imobiliário e Fundos de Gestão de Património Imobiliário atingiu os 14,8 mil milhões de euros, representando um novo recorde.

Mas como é que os OICs podem efetivamente contribuir para a resolução da crise habitacional?

1 - Mobilização de Investimento para o Setor Habitacional

Os OICs têm a capacidade de mobilizar investidores, tanto nacionais quanto internacionais, para o mercado imobiliário português, facilitando o financiamento de novos projetos residenciais ou a reabilitação de imóveis existentes, quer para venda, quer para arrendamento. Instituições como fundos de pensões, seguradoras e outros investidores institucionais procuram frequentemente investimentos que ofereçam retornos estáveis e de longo prazo, características inerentes a este tipo de veículos.

Contudo, a viabilidade destes investimentos depende de um ambiente regulatório e fiscal estável e transparente, bem como da capacidade de demonstrar o impacto económico e social positivo de cada projeto.

Além disso, a criação de parcerias público-privadas (PPPs), pode desempenhar um papel importante no financiamento e desenvolvimento de projetos habitacionais. Estas parcerias permitirão a combinação de recursos públicos e privados, promovendo a criação de habitação com uma gestão eficiente e controlo de custos.

2 - Inovação na Construção: Modularidade e Sustentabilidade

Outro aspeto crucial em que os OICs podem influenciar positivamente o mercado habitacional é na implementação de soluções construtivas inovadoras. A construção modular, por exemplo, permite a produção em larga escala de unidades habitacionais de qualidade, reduzindo significativamente tanto os custos como o tempo de construção. Esta abordagem é especialmente relevante em zonas urbanas densas, onde a procura por habitação é elevada e os terrenos são escassos.

Para além disso, a utilização de materiais sustentáveis e tecnologias de eficiência energética é cada vez mais vital para a criação de habitação ambientalmente responsável. Estes fatores, aliados à gestão proativa dos ativos imobiliários, podem resultar em habitações mais económicas para os utilizadores, através da redução de custos de manutenção e operação.

3 - Diversificação da Oferta Habitacional

Os OICs também podem desempenhar um papel importante na promoção de habitação integrada. Através da diversificação de produto e da aposta em projetos que atendam a diferentes segmentos da população, os OICs podem contribuir para a criação de mais habitação acessível a jovens trabalhadores, estudantes, idosos, ou famílias de baixos rendimentos, com especial enfoque na disponibilidade de mais habitação em arrendamento.

Esta estratégia pode ser realizada através do desenvolvimento de empreendimentos que integrem um mix de tipologias acessíveis a diferentes faixas de rendimento. Ao adotar uma abordagem diversificada em cada projeto, promove-se a criação de comunidades mais integradas, um aspeto fundamental para o desenvolvimento urbano sustentável.

4 - Reabilitação Urbana e Reconversão de Espaços

A par da constituição de novas bolsas de terrenos urbanizáveis para uso habitacional, a reabilitação urbana continua a ser uma estratégia central no aumento da oferta de habitação disponível, especialmente em centros urbanos históricos que possuem imóveis degradados.

A revitalização destes espaços, que passa por vezes também na mudança de usos comerciais ou serviços em habitacionais, não só contribui para o aumento da oferta disponível, como também ajuda a preservar o património histórico e cultural das cidades.

Os OICs têm a capacidade de atrair capital e gerir este tipo de projetos, permitindo a recuperação de áreas degradadas e a sua reintegração no mercado habitacional.

5 - Conhecimento Especializado e Gestão Proativa

A capacidade das equipas de gestão dos OICs em compreender e lidar com as dinâmicas do mercado imobiliário é outro fator diferenciador a ter em conta.

Uma gestão especializada e proativa é essencial para garantir o sucesso de qualquer projeto de investimento habitacional, na otimização dos seus projetos, redução de custos e eficiência no uso dos recursos disponíveis.

A implementação de novas tecnologias, como sistemas de monitorização remota e manutenção preditiva, pode aumentar significativamente a eficiência operacional dos ativos sob gestão, reduzindo os custos para os ocupantes e garantindo uma resposta mais rápida e eficaz às suas necessidades.

6 - Incentivos Fiscais e Regulatórios

A criação de incentivos fiscais adequados é essencial para atrair mais capital para investimento no setor habitacional. Um exemplo recente foi a aprovação, a 12 de junho de 2024, da Proposta de Lei n.º 3/XVI/1.ª, que criou um regime fiscal especial para os OICs que invistam em habitação no âmbito do Programa de Apoio ao Arrendamento. Este tipo de incentivo demonstra o reconhecimento, por parte do Estado, da importância dos OICs no aumento da oferta habitacional.

Contudo, será necessário um esforço concertado para que mais incentivos fiscais e regulatórios sejam criados, de forma a facilitar o desenvolvimento de novos projetos e atrair mais investidores para o setor.

7 - Desafios

A complexidade e alguma burocracia ainda presentes nos processos de licenciamento urbanístico são frequentemente mencionadas como obstáculos à criação de novos projetos. Além disso, a menor rentabilidade associada ao arrendamento habitacional, especialmente no segmento de habitação acessível, afasta muitos investidores que preferem setores com mais rentabilidades e menor risco.

A escassez de mão-de-obra qualificada no setor da construção e o aumento dos custos de materiais são também fatores que impactam diretamente os projetos habitacionais, agravados por uma taxa de IVA a 23% que encarece ainda mais os investimentos neste uso.

A existência de uma taxa de iva reduzido na nova construção de uso habitacional e a venda de habitação com IVA a 6%, por substituição do atual Imposto Municipal sobre Transações, faria com que a parcela deste imposto suportado pelo promotor pudesse ser deduzida no momento da alienação, reduzindo os seus custos de investimento e o seu preço de venda ao comprador final.

Em suma:

Os Organismos de Investimento Coletivo Imobiliários representam um instrumento muito relevante para enfrentar os atuais desafios habitacionais em Portugal.

Da mobilização de novos investimentos no setor, à implementação de inovações construtivas, desenvolvimento de novos formatos habitacionais e sua colocação no mercado, a par de uma gestão especializada, os OICs podem contribuir significativamente para o aumento da oferta de habitação disponível, de forma sustentável e adequada às novas procuras.

Nuno Marques

Membro do Conselho de Administração da N2AM(*)

(*) - A N2AM atua na estruturação, transformação e gestão de OIA’s Imobiliários, oferecendo soluções de investimento imobiliário diversificadas e adaptadas às necessidades de cada investidor.

(**) - Texto escrito com novo Acordo Ortográfico